Os Lusíadas vs Mensagem

O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’Os Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de “evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A Mensagem logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação.

Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o “Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por achar”.
A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual, com Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida e da Odisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos. Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com moderbnidade, mas também com a herança da memória.

Em Camões memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da esperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo.

Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica, definivel pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto Império, Pessoa reinventou um razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano
absurdo.

O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir. Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e espectraliza as personagens da história nacional.

A Mensagem é o sonho de um império sem fronteiras nem ocaso. A viagem real é metamorfoseada na busca do “porto sempre por achar”.

Dois vectores da Mensagem

ü busca ôntica – procura da essência da lusitanidade e definição da nossa idiossincrasia

ü inquirição – questionação do mesmo histórico a seguir e a fazer seguir como projecto nacional colectivo

Pessoa é um exemplo desta obsessão nacional – a espera de um Messias.
A história de Portugal não oferece problemas à elaboração de um mito nacional. Ela está cheia de elementos e contém já um grande mito, o sebastianismo. Pessoa distinguiu o seu sebastianismo, apelidando-o de racional. O regresso de D. Sebastião é associado ao aparecimento do Quinto Império. Pessoa abandona os Impérios materiais para elaborar impérios espirituais – Grécia, Roma, Cristandade, Europa pós-renascentista e, agora, Portugal. O Quinto Império já estava escrito nas trovas do Bandarra e nas quadras do Nostradamus. O nacionalismo tradicional é superado por um nacionalismo cosmopolita.

Pessoa, criador do fundo e da forma do mito, anuncia-se como um supra Camões. A realidade é activada pelo Mito (força catalizadora).

Quinto Império

É evidente que Pessoa não inventou o Sebastianismo, encontrou-o na tradição portuguesa; mas, ao adoptá-lo, aprofundou-o e transfigurou-o. Sobretudo, uniu-o de uma forma pessoal ao outro grande mito tradicional português, o do Quinto Império. A ideia do Quinto Império vem de muito longe na mitologia judaico-cristã. Todos concordam em ver a sua origem no sonho de Nabucodonosor, contado no Livro de Daniel. O rei vê em sonhos uma estátua de dimensões prodigiosas: a cabeça é de ouro, o peito de prata, o ventre de bronze e os pés de barro misturado com ferro. De súbito, uma pedra bate no barro, o que faz com que toda a estátua venha abaixo; e a pedra transforma-se numa alta montanha que cobre a terra inteira. Daniel interpreta assim o sonho: o ouro representa o império da Babilónia, e a prata, o bronze e o barro misturado com o ferro significam os outros três impérios que irão suceder-lhe. Esses quatro impérios serão destruídos. A pedra que se transforma em montanha profetiza a vinda de um Quinto Império universal, que não terá fim. (...)

Para Pessoa, os quatro primeiros impérios já não são os da tradição, mas os quatro grandes momentos da civilização ocidental: a Grécia, a Roma antiga, o Cristianismo, a Europa do Renascimento e das Luzes. Já não se fala da Assíria nem da Pérsia, nem, aliás, do Egipto ou da China: o mundo é europeu. Mas, sobretudo, quando fala do Império vindouro, já não se trata de todo do exercício de um poder temporal, nem sequer espiritual, mas da irradiação do espírito universal, reflectido nas obras dos poetas e dos artistas. Ele condena a força armada, a conquista, a colonização, a evangelização, todas as formas de poder. O Quinto Império será «cultural», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do homem que toda a sua obra proclama. Um português como ele, homem sem qualidades, infinitamente aberto, menos marcado que os outros, tem mais vocação para a universalidade. Não há dúvidas de que acreditou que aquilo a que chama metaforicamente o Quinto Império se realizaria por ele e nele; é o sentido de um texto de 1925, em que afirma que «a segunda vinda» de D. Sebastião já se verificou, cumprindo a profecia do Bandarra, em 1888, data que marca «o início do reino do sol».

Sebastanismo

O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso.

«D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...»

O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico ( como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica ( mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a nacionalidade.

ü D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento físico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa.

ü D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nas Quinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos).
Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal.

ü D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria e sublimação do espírito)

O três é um número que exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos no homem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra). Trata-se da manifestação da divindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade.

O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram os Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos .

O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D. Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D. Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete como número da criação.

O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo.
O sete articula-se com o quatro. Os 7 protagonistas de Os Castelos vêm dos 4 cantos do mundo (França, Inglaterra, Ibéria e Grécia). Note-se que cada período lunar tem 7 dias e existem 4 fases que fecham o ciclo. Perpassa a ideia de algo que se completa, de um ciclo que se fecha. O sete é um símbolo de totalidade, de união do feminino com o masculino. Consciente dessa tradição, Pessoa divide o 7 em duas partes – D. João, o primeiro e D. Filipa de Lencastre, ou seja, o animus e a anima, o yin e o yang, o Adão e Eva, o Sol e a Lua.

O cinco está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por Nabucodonosar. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandade e a Europa pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas em apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o poeta não tem dúvidas em apontar Portugal.

Se o sete é o número da perfeição, o três da divindade, o cinco é o número da evolução espiritual do homem.

Pessoa escolheu cinco mártires da nação para corresponderem às cinco quinas (D.Duarte, D. Pedro, D. Fernando, D. João e D. Sebastião). O Brasão está dividido em 5 partes, tantas quantas as partes do nosso símbolo heráldico – Campos, Castelos, Quinas, Coroa e Grifo).

N’Os Lusíadas as quinas representam os cinco reis vencidos por D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique.

O doze assume relevância na segunda parte da Mensagem - Mar Português. Doze são os poemas de Mar Português , 12 eram os discípulos de Cristo, 12 os Cavaleiros da Távola Redonda, 12 os meses do ano, 12 os signos do zoodíaco. O número 12 é o número da acção. Nesta parte da Mensagem, Portugal está fundado na vida activa (a posse dos mares).

O oito é o número das pontas da Cruz da Ordem de Cristo, a cruz que as caravelas ostentavam. Oito letras tem Portugal e oito letras tem Mensagem.

Estrutura formal e simbolica da mensagem

Mensagem é a expressão poética dos mitos – não se trata de uma narrativa sobre os grandes feitos dos portugueses no passado, como em Os Lusíadas, mas sim, de um cantar de um Império de teor espiritual, da construção de uma supra-nação, através da ligação ocidente/oriente: não são os factos históricos propriamente ditos sobre os nossos reis que mais importam; são sim as suas atitudes e o que eles representam, sendo o assunto de Mensagem a essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Daí se interpretem as figuras dos reis nos poemas de Mensagem como heróis mas mais que isso, como símbolos, de diferentes significados.

1ª Parte – BRASÃO: o princípio da nacionalidade (em que fundadores e antepassados criaram a pátria)

“Ulisses” – símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a vida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai ocupar tenham tido ou não existência histórica! (“Sem existir nos bastou/Por não ter vindo foi vindo/E nos criou.”). O que importa é o que elas representam. Daí serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português.

“D. Dinis” – símbolo da importância da poesia na construção do Mundo: Pessoa vê D. Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções – ele plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas, e falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a mediocridade.

“D. Sebastião, rei de Portugal” – símbolo da loucura audaciosa e aventureira: o Homem sem a loucura não é nada; é simplesmente uma besta que nasce, procria e morre, sem viver! Ora, D. Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico, FOI em frente, e morreu por uma ideia de grandeza, e essa é a ideia que deve persistir, mesmo após sua morte (“Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outros que a tomem/Com o que nela ia.”)

2ª Parte – MAR PORTUGUÊS: a realização através do mar (em que heróis empossados da grande missão de descobrir foram construtores do grande destino da Nação)

“O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os homens e Deus (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”)

“Mar Português” – símbolo do sofrimento por que passaram todos os portugueses: a construção de uma supra-nação, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo (“Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”)

“O Mostrengo” – símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por alguém usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os portugueses de completarem o seu destino (“Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do fim do mundo?”)

3ª Parte – O ENCOBERTO: a morte ou fim das energias latentes (é o novo ciclo que se anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo)

“O Quinto Império” – símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como o sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado, curioso, corajoso e aventureiro; há que estar inquieto e descontente com o que se tem e o que se é! (“Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no erguer da asa.../Triste de quem é feliz!”) O Quinto Império de Pessoa é a mística certeza do vir a ser pela lição do ter sido, o Portugal-espírito, ente de cultura e esperança, tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimula.

“Nevoeiro” – símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos, tanto como um Estado, como emocionalmente, mentalmente, etc.: algo ficou consubstanciado, pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos (“(Que ânsia distante perto chora?)”), mas não temos os meios (“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra...”)

Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir parar o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da Mensagem, o passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura mítica de D.Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império.

Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta projecção ficar-se-ia a dever a um “poeta ou poetas supremos” que, pela sua genialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos os outros.

Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de Portugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos espirituais É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico que enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste superpoeta, em detrimento da de Camões.

Vasco da Gama, o mostrengo, mar portugues

Análise do Poema "Ascenção de Vasco da Gama"

Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra

Suspendem de repente o ódio da sua guerra

E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus

Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,

Primeiro um movimento e depois um assombro.

Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,

E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta

Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,

O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

Reflexão:

A figura de Vasco da Gama é engrandecida neste poema por vários aspectos:

1. Pela situação de elevação aos céus num plano superior ao da simples condição humana – libertando-se do corpo, torna-se alma e imortaliza-se;

2. Pelos efeitos provocados por esta situação: o pasmo dos Deuses e dos Gigantes, o silêncio e assombro da natureza e a admiração dos homens;

3. Pelo nome de “Argonauta” dado a Gama, identificando-o com os heróis míticos da Grécia antiga, que procuravam desvendar o desconhecimento, buscando o inacessível e o impossível. É de salientar que este poema se associa à representação que é conferida a Vasco da Gama “n’Os Lusíadas” obra em que o herói é também elevado no plano dos Deuses nomeadamente no episódio “Ilha dos Amores”.

Análise do Poema "O Monstrengo"

O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;

A roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tetos negros do fim do mundo?»

E o homem do leme disse, tremendo:

«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?»

Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.

«Quem vem poder o que só eu posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse

E escorro os medos do mar sem fundo?»

E o homem do leme tremeu, e disse:

«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,

Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:

«Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um povo que quer o mar que é teu;

E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,

Manda a vontade, que me ata ao leme,

De El-Rei D. João Segundo!»

Reflexão:

O que o Gigante Adamastor é para Os Lusíadas é para a Mensagem “O mostrengo”. Ambos, cardeais, axiais; ambos de tal importância, que foram colocados, pelos seus autores, exactamente, pensadamente, mesmo materialmente, no meio do grande poema. No caso da Mensagem, o rigor e a exactidão são matemáticos: 21 poemas antes, 21 poemas depois de “O mostrengo”. Estes episódios, estão no meio pois isto é a meio da viagem e é o ponto mais alto e difícil para o povo português.

Análise do Poema "Mar Português"

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

Reflexão:

Este poema compara-se com o episódio “despedida das naus em Belém” de “Os Lusíadas” pois as lágrimas de Portugal que tornaram salgados o mar, são as mesmas que os familiares choraram perante a partida dos marinheiros para a aventura marítima.

Ulisses, D.Afonso Henriques, D. Sebastião Rei de Portugal, Infante

Análise do Poema "Ulisses"

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus

É um mito brilhante e mudo --

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,

Foi por não ser existindo.

Sem existir nos bastou.

Por não ter vindo foi vindo

E nos criou.

Assim a lenda se escorre

A entrar na realidade,

E a fecundá-la decorre.

Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

Reflexão:

Ulisses, o herói da guerra de Tróia e protagonista da obra odisseia de Hómero, é um dos grandes mitos da civilização grega, e segundo a lenda, terá fundado Lisboa. Ao recuperar esta lenda e elege-lo como um dos primeiros poemas da “Mensagem”, Fernando pessoa tem precisamente a intenção de atribuir a Portugal uma origem mítica, que é mais valiosa de que qualquer origem histórica (os heróis desta obra são localizadas sobretudo no seu lado mítico).

Tal como na “Mensagem”, Camões recupera nos Lusíadas a lenda de que Ulisses terá fundando Lisboa.

Análise do Poema "D. Afonso Henriques"

Pai, foste cavaleiro.

Hoje a vigília é nossa.

Dá-nos o exemplo inteiro

E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,

Novos infiéis vençam,

A bênção como espada,

A espada como bênção!

Reflexão:

Este poema apresenta-se como uma prece dirigida a D. Afonso Henriques, “Pai” de uma geração que lendariamente recebeu a força e a missão de Deus. O sujeito poético, assumindo-se como voz do colectivo português, pede ao Rei-Rei que dê ao seu povo o exemplo, a força e a bênção, porque “Hoje a vigília é nossa”, somos nós que temos que ser cavaleiros contra “novos infiéis”, fantasmas do adormecimento colectivo.

Análise do Poema "D. Sebastião Rei de Portugal"

Louco, sim, louco, porque quis grandeza

Qual a Sorte a não dá.

Não coube em mim minha certeza;

Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?

Reflexão:

Comparação “Os Lusíadas”/ “Mensagem”, é a D. Sebastião que Camões dedica “Os Lusíadas” e é a este Rei que o poeta dirige o apelo no sentido de continuar a tradição dos antigos heróis portugueses, para fazer ressurgir a pátria da “apagada e vil tristeza” do presente.

Na “Mensagem”, D. Sebastião (e o sebastianismo) é o mito organizador de toda a obra, no sentido de que o rei representa o sonho que ressurgirá do nevoeiro em que o Portugal presente está mergulhado, impulsionado a construção do Futuro.

Análise do Poema "O Infante"

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quis que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse.

Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,

Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

E viu-se a terra inteira, de repente,

Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.

Do mar e nós em ti nos deu sinal.

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.

Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Reflexão:

Este poema (“O infante”) foi criado para estabelecer uma relação passado/presente/futuro. Deus quis que os portugueses sonhassem o desvendamento do mar, fazendo nascer a obra dos descobrimentos.

Os portugueses no passado cumpriram, a missão divina, desvendando os mares desconhecidos e criando o Império. Mas este desfez-se e, no presente, Portugal é uma pátria sem glória que falta “cumprir-se” daí o apelo profético expresso no último verso exclamativo, ao cumprimento do destino mítico do Portugal.

Poema "o dos Castelos"

A Europa jaz, posta nos cotovelos:

De Oriente a Ocidente jaz, fitando,

E toldam-lhe românticos cabelos

Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;

O direito é em ângulo disposto.

Aquele diz Itália onde é pousado;

Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,

O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

Reflexão:

Tal como neste poema da “Mensagem”, a estrofe de “Os Lusíadas” indica Portugal como “cabeça da Europa toda” atribuindo-lhe uma missão predestinada. Mas “n’Os Lusíadas” essa missão é ditada pelo “Céu” que quis que Portugal vencesse na luta contra os mouros enquanto que na “Mensagem” a missão de Portugal será mais abrangente.

Mensagem (inico, a epopeia lírica)

A Mensagem, cujas poesias componentes foram escritas entre 1913 e 1934 – data da sua publicação, é sem dúvida a obra-prima onde pessoa lapidarmente imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.

A Mensagem poderá ser vista com uma epopeia. Porque parte dum núcleo histórico, mas a sua formulação sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra ideias/forças desse povo: regresso do paraíso, realização do impossível, espera do messias… raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.

Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, e ergueram a personalidade, separada, ou plasmaram na sua altura própria; mas Mães, as que estão na origem das suas dinastias, cantadas como “Antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que percorreram o mar em busco do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma missão transcendente); e, finalmente, depois dessa missão cumprida, dessa realização. Na era crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encoberto.

Estrutura (alargado)

Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte; essa conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre perpassarão, com um repetido fulgor, sempre a mesma mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto…

É dessa forma, o mítico caos, a noite, o abismo, donde surgirá o novo mundo, “Que jaz no abismo sob o mar que se segue”.

A estrutura (resumo+++)

· A Mensagem está dividida em três partes. Esta tripartição corresponde a três momentos do Império Português: nascimento, realização e morte. Mas essa morte não é definitiva, pois pressupõe um renascimento que será o novo império, futuro e espiritual.

Partes

Carácter épico-lírico

· A Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como uma epopeia, parte de um núcleo histórico (heróis e acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subjectiva introspectiva, de contemplação interior, característica própria do lirismo.

O mito

· As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.

Sebastianismo

· A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça, pois, num sebastianismo messiânico e profético.

Quinto Império: império espiritual

· É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.

Mensagem (Resumido)

1. Nascimento – 1ª Parte “Brasão”
Fundação da nacionalidade, desfile de heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastiao.

2. Realização – 2ª Parte “Mar Português”
Poemas inspirados na ânsia do Desconhecido e no esforço heróico da luta com o mar. Apogeu da acção portuguesa dos Descobrimentos, em poemas como “O Infante”, “O Mostrengo”, “Mar Português”.

3. Morte – 3ª Parte “O Encoberto”
Morte das energias de Portugal simbolizada no “nevoeiro”; afirmação do sebastianismo representado na figura do “Encoberto”; apelo e ânsia messiânica da construção do Quinto Império.